A cultura corporativa de uma escola de samba

Este ano, pela primeira vez, sai em uma escola de samba em São Paulo - a Mocidade Alegre. Quem me conhece sabe que não sou do samba, então o que eu buscava era o que costumo chamar, na brincadeira, de "experiência antropológica", ou seja, vivenciar uma outra dimensão cultural. Ok, consegui o que queria - e um pouco mais! Encontrei uma aula de gestão e motivação - e um magnífico exemplo do poder de uma cultura corporativa consolidada.


Fiquei impressionada com a organização da escola, a atenção aos detalhes e a disciplina dos membros da comunidade. A Mocidade Alegre tem se notabilizado nesses quesitos e não esconde isso de ninguém. Li matérias onde ela chega a ser "acusada" de fazer um desfile técnico, para os jurados. Sim, a preocupação com os jurados é grande: a própria presidente, a já mítica figura de Solange Bichara, faz questão de explicar pessoalmente para todos os integrantes, veteranos e novatos, onde os jurados ficam ao longo do Sambódromo, quais os quesitos que são avaliados e o que conta na hora da avaliação. As lições aprendidas - os erros que custaram pontos e a vitória em anos anteriores - são repassadas como exemplos da seriedade da competição.

Seriedade - parece ser o oposto do Carnaval! Mas é um de seus pilares. Do momento em que entrei na sala de venda de fantasias, onde as atendentes checavam o estoque no computador, até os vários e vários ensaios, ficou evidente que uma Escola de Samba não é lugar para brincadeira. Mas é também onde se torna claro que ser sério não significa ser sisudo - algo inconcebível em um lugar onde a fantasia voa alto e, como em um passe de mágica, uma reles mortal como eu se transforma, por uma noite, em uma Rainha do Rádio! Uma escola de samba - ou, pelo menos, a Mocidade Alegre - é um lugar onde organização e profissionalismo se revestem de alegria. Por causa do samba? Das fantasias? Não: por causa da motivação!

A motivação de qualquer escola é a busca da vitória. No caso da Mocidade, era a luta pelo tetracampeonato, sintetizada no grito e na hashtag #euacredito. Em meio a metáforas de guerra, uma disciplina quase militar se impõe a todos os membros: saber a letra do samba, a coreografia, não esquecer nenhum item da fantasia no dia do desfile, não danificar a fantasia, não deixar de sorrir! Imagino quantas costureiras receberam fantasias para ajustar sob severas recomendações de não alterarem nenhum detalhe de seu design, do formato do decote à distância entre as fitas de lantejoulas! A distância de um componente para o outro, o compasso no avanço para que as fileiras caminhem ao mesmo tempo, o lado pelo qual se começa a acenar em determinado momento da coreografia: tudo foi pré-determinado e ensaiado exaustivamente.

Tamanha disciplina, no entanto, transcorre como o próprio desfile no Sambódromo: em perfeita harmonia! Quase não se percebe a mão de ferro que faz com que três mil participantes evoluam pela passarela em menos de 65 minutos, tempo limite da apresentação. Mas engana-se quem pensa que essa mão é só da presidente da escola. Sim, ela comanda tudo. Mas seu maior mérito foi ter criado uma cultura de motivação. A obsessiva perseguição da perfeição, ou o "desfile para os jurados" é mera consequência disso. Motivar o outro faz parte do job description de cada integrante. Vale lembrar que o conjunto que sai na avenida é a soma de gente da comunidade com "forasteiros" como eu, que chegam na última hora sem saber a letra do samba e, muitas vezes, sem ter o samba no pé. Por isso, o papel de cada membro da comunidade é de extrema importância: são eles que nos ensinam, orientam, corrigem. São eles que materializam que fazemos parte de um grupo (uma ala), onde cada um tem que olhar para o colega do lado e ajudá-lo a evoluir dentro do ritmo, mantendo a ordem e a harmonia. Onde cada um ensina a coreografia para quem não sabe. E ajuda a decorar a letra do samba. Dá dicas de ajuste da fantasia e compartilha o batom minutos antes da entrada no Sambódromo. E dá bom dia com mensagens de motivação todos os dias pelo whatsapp!

"A vitoria vem da luta, a luta vem da força e a força vem da união" é mais que um grito de guerra - é o resumo da "cultura corporativa" da Mocidade. Que é tão forte que contagiou até quem, como eu, nunca havia colocado os pés na avenida. A ponto de me fazer sambar de uma ponta a outra da passarela, ignorando as dores na perna e as cãibras nos pés. O que o mundo corporativo busca, o mundo do samba tem de sobra.

Agradeço à Mocidade Alegre pela oportunidade. #euacredito no tetracampeonato!

Erga essa cabeça, mete o pé e vai na fé
Manda essa tristeza embora
Basta acreditar que um novo dia vai raiar
Sua hora vai chegar!

https://www.youtube.com/watch?v=hFrPhNaSaj0