A vitória e a reputação: o conto de duas aves no carnaval brasileiro

Sou obrigada a falar novamente sobre Carnaval. É impossível para um profissional de comunicação ou marketing ignorar a repercussão da vitória da Beija Flor no Carnaval carioca. O que era para ser uma ação corriqueira – patrocinar uma escola de samba em troca de figurar em seu enredo – tornou-se uma crise que está respingando até em terceiros. A construtora Odebrecht, por exemplo, precisou divulgar nota negando que tenha patrocinado a escola.

O que deu errado?

Basicamente, o timing da ação: em meados da segunda década do século XXI, já não dá para ignorar questões como quem financia ou o que está por trás do tema escolhido. Com as redes sociais consolidando-se como canais de transmissão de informações e a pulverização das fontes de dados e análises, torna-se praticamente impossível a grandes marcas (ou a marcas em processo de grande visibilidade, como uma escola de samba do grupo especial na época do Carnaval) esconderem o jogo. E quando o jogo está fora do espírito do tempo, a dissonância logo vem à tona.

O calvário da Beija Flor nas redes sociais exemplifica bem isso. Não é novidade que o Carnaval baseia-se em recursos de origem duvidosa. Foi o bicheiro Castor de Andrade que fundou a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro em 1984, uma dissidência da Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro que congregava as 10 escolas financiadas por bicheiros e que passou a dominar o Carnaval carioca. Apenas três décadas separam os dias de hoje dessa época. Nesse período, encerrou-se a ditadura militar, a economia foi estabilizada, surgiu o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Maria da Penha. Nessas três décadas a sociedade brasileira deixou de aceitar coisas que então eram normais, como beber e dirigir, bater nos filhos ou discriminar pessoas por causa da cor de sua pele, preferência sexual ou religião.

O fato é que a tão ironizada onda do “politicamente correto” mudou a forma como a sociedade encara diversos temas. E mesmo quem acha exagero falar em “afrodescendente” se sentiu ofendido com glorificação de uma ditadura em plena Sapucaí, ainda que de forma indireta. O fato é que as manifestações de rua de 2013 não foram um ponto fora da curva: o espírito de indignação com o que é injusto e corrupto permanece e atingiu em cheio uma apuração que consagrou o uso de dinheiro sujo.

É óbvio que sempre há o choro dos perdedores em qualquer disputa. Mas basta uma rápida pesquisa no Twitter ou Facebook para perceber o alto grau de engajamento de pessoas sem qualquer ligação visceral com o samba. “The zueira never ends” e ela encontrou campo fértil na escolha da vencedora do Carnaval carioca de 2015. Pois além de disseminar informações, as redes sociais amplificam sua repercussão. Os trending topics, por sua vez, quantificam. E assim fica muito mais rápido e fácil sentir o pulso da opinião pública.

Ganhar o Carnaval mas perder em reputação – esse foi o resultado para a Beija Flor. Paralelamente, uma águia que se curva diante de todos sagra-se como ícone do Carnaval de 2015. Simbolicamente, esse contraste revela muito sobre o que anda passando pela cabeça e pelos corações dos brasileiros.